sexta-feira, outubro 01, 2010

Dos ditadores que "pelo menos não roubavam" e de bigodes, botas e penteados à Paulo Bento

(A insistência incomoda. Mas quando incomoda muitas vezes, desacomoda. Perante diversas queixas enviadas pelos nossos leitores, que, embora elogiando a horizontalidade editorial de O Andaime e a versatilidade com que se debruça sobre diversos temas, se queixaram da falta de uma dimensão mais vertical e reflexiva, decidimos iniciar a publicação de uma série de curtos ensaios. O carácter horizontal da nossa escrita - explicamos antes de mais - deve-se a um facto simples: escrevemos deitados. O hábito foi adquirido depois de tomarmos conhecimento, junto de meios académicos bem informados, que as 95 teses que Lutero afixou nas portas da igreja de Wittenberg lhe surgiram na casa de banho: num momento de intimidade, portanto. Mimetizamos a intimidade, recusando, não obstante, posições confrangedoras e pietistas. Estamos abertos a sugestões para temas que o caro leitor queira ver aprofundados)  

A vários ditadores europeus do século XX foi atribuída uma das virtudes mais desejadas pelos povos para os seus líderes: a honestidade. A célebre frase "pelo menos não roubava!" escuta-se ainda nos dias que correm, desde os mais profundos recantos de Portugal à mais obscura tundra soberana, passando pelas mesetas e cordilheiras espanholas e até pelas florestas bávaras. De Salazar e de Franco, e até de Hitler e de Estaline, diz-se ainda hoje, com saudade, que não roubavam.

Mas o que numa primeira análise poderá parecer uma incongruência de carácter (como juntar atrás do mesmo bigode, dentro das mesmas botas ou debaixo do mesmo corte de cabelo à Paulo Bento uma virtude tão apreciada como a honestidade e defeitos tão censuráveis como o mau gosto na escolha da indumentária ou na decoração dos campos onde foram parar os prisioneiros políticos - desde os gulags ao Tarrafal?) não é.

Nenhum destes vultos - alguns deles eleitos como os melhores espécimes de toda a história dos países cujos destinos conduziram - tinha verdadeira necessidade de roubar. E, aqui, realce-se uma nova virtude (a inteligência) e ainda um sucedâneo desta (a astúcia). Pois só um idiota rouba o que é seu, e o erário público era seu já. Ainda que não estivesse em seu nome. E entra depois a astúcia. Já todos sabemos quão pesado é suportar a dureza dos encargos fiscais. Image-se agora os descontos de IRS de um cidadão que não só é dono de todas as cidades de um país, mas também de todas a vilas, aldeias e ainda de todos os campos - de cultivo e baldios. A solução é simples e elegante. Põe-se tudo em nome do povo. E ao povo, por esta razão, competirá responder ao fisco.

Vozes sabedoras explicam até que uma das razões da devassidão de que se queixam muitos cidadãos em regimes democráticos é a facilidade como que se elege e depõe um governo, um presidente ou uma assembleia legislativa. A explicação é simples, e não mais do que um sinal dos tempos, como quase todos os sinais o são: os políticos actuais, no conhecimento de que não ocuparão os seus cargos para sempre - como fizeram até morrer (ou alguém os matar) os antigos ditadores - sabem que têm pouco tempo para se governarem, enquanto estiverem no governo. Assim, fazem o melhor que podem com o pouco tempo que têm. Pode duvidar-se da presença da honestidade. Mas de falta de inteligência, de astúcia e de uma bela conta bancária na Suíça ninguém os poderá acusar.

Sem comentários: